Ao ler Sobre a brevidade da vida, de Sêneca, fui tocado por uma sensação desconfortável de familiaridade. Parece que o filósofo está descrevendo não só a Roma do século I, mas o nosso cotidiano, frenético e saturado. Sêneca desafia uma das queixas mais universais da humanidade: a de que a vida é curta. Para ele, não nos falta tempo, mas sim uma vida vivida com presença e significado. “A vida que recebemos não é curta, mas a tornamos assim; tampouco a temos de sobra, mas a desperdiçamos.”
Vivemos, muitas vezes, como ocupados crônicos. Preenchidos por tarefas, obrigações, metas, notificações. Mas vazios de sentido. Sêneca chama esses homens de occupati, cuja agenda cheia disfarça uma alma esvaziada. Não vivemos para nós, mas para os outros. Não ocupamos o nosso tempo: ele nos ocupa.
E aqui me lembro do artigo “O Refúgio da Alma: um Retorno à Casa Silenciosa do Ser“: quanto mais nos afastamos de nós mesmos, menos tempo de qualidade temos. O tempo se torna algo que nos escapa, porque já não habitamos a nossa própria vida.
A ocupação como fuga e o ócio como retorno a si
O oposto do ocupado, para Sêneca, não é o preguiçoso, mas o sábio. E o remédio não está em fazer mais, mas em “viver para si”. O otium, termo que ele resgata, é o ócio criador, um tempo de recolhimento, estudo, contemplação e cultivo da alma. O tempo em que nos apropriamos da existência.
Hoje, falar em ócio quase parece um pecado produtivo. Mas o que Sêneca propõe não é inatividade, é qualidade. Um tempo com profundidade. Um tempo que nos devolve a nós mesmos.
Quando desaceleramos e criamos espaço para o silêncio, o autoexame e o discernimento, tornamo-nos mais donos da nossa vida. Deixamos de viver por inércia ou repetição, e passamos a viver com intenção. A alma volta a respirar.
Se não soubermos o que queremos, seremos “vividos” por outros
Um dos ensinamentos que mais me marcou e que carrego na minhas reflexões é: “se não soubermos aquilo que queremos, outros saberão e utilizarão isso em benefício próprio“. Essa frase ecoa em mim como um alerta: a falta de autoconhecimento não é apenas uma lacuna pessoal, mas uma abertura perigosa.
Quando não sabemos quem somos, o que valorizamos e aonde queremos chegar, nos tornamos vulneráveis a viver os desejos alheios. Passamos a buscar aprovação, reconhecimento e pertencer a qualquer custo.
No artigo Quem somos, afinal? A autopercepção entre o espelho interno e as expectativas externas, reflito justamente sobre isso: quando não reconhecemos quem somos e os nossos anseios, somos facilmente impelidos a viver os anseios dos outros. E o tempo, mais uma vez, deixa de ser nosso.
A qualidade do tempo e a coerência com a alma
O tempo, para Sêneca, não é um fluxo cronológico que simplesmente corre. Ele é matéria-prima da vida. E é nossa tarefa dar forma a ele. Por isso, o desperdício do tempo não é só uma questão de organização, mas de sentido. Não se trata apenas de fazer mais em menos tempo, mas de viver com coerência entre o que se faz e o que se é.
Quando vivemos desconectados da alma, buscamos preencher o tempo com tudo que nos distraia de olhar para dentro. Mas, ao fazê-lo, seguimos vazios. O tempo, então, parece curto, porque não tem profundidade.
A vida não se mede em anos, mas em presença. E é no momento em que alinhamos as nossas escolhas com os nossos valores mais profundos que o tempo se dilata. Passamos a viver com densidade.
Reivindicar-se para si: a soberania emocional e existencial
Sêneca propõe um imperativo existencial que atravessa os séculos: Vindica te tibi – “Reivindica-te para ti mesmo“. Isso não é um convite ao egoísmo, mas à soberania interior. É um chamado para que tomemos posse daquilo que somos, do nosso tempo, das nossas escolhas e do nosso caminho.
No Feeling Lab, acreditamos que esse processo começa ao conhecermos as nossas emoções. Quando aprendemos a identificar, acolher e regular os nossos estados emocionais, ganhamos clareza. E com clareza, ganhamos poder de escolha.
Conhecer-se emocionalmente é um ato de retorno à alma. E é por meio desse retorno que o tempo deixa de ser algo que nos falta e passa a ser algo que nos pertence.
Viver, então, é aprender a estar presente. É escolher, a cada dia, ocupar-se de si com consciência, sensibilidade e intenção. A vida pode ser breve. Mas pode ser profunda.
Excelente reflexão, Gabriel.
O tempo ele muitas vezes nos assusta, de acordo com o período do desenvolvimento que estamos vivendo, muitas vezes a maioria das pessoas não vive realmente, apenas sobrevive.
Importante mesmo ter clareza do que faz sentido para nossas vidas, para usar o tempo como aliado nessa passagem que temos aqui.
E para isso estar presente é a chave.