Muitas vezes, me pego angustiado por coisas que estão além do meu controle: a opinião dos outros, o rumo das circunstâncias, as perdas inesperadas. Nesses momentos, a filosofia de Epíteto se revela como um farol. Em A Arte de Viver, aprendemos que a chave da serenidade está na clareza entre o que depende de nós e o que não depende. Tudo o que está fora dessa esfera – o tempo, o passado, os outros – não merece o desgaste da nossa alma.
Essa é a essência da chamada dicotomia do controle, o princípio mais fundamental do estoicismo. Como Epíteto nos ensina, o sofrimento nasce quando tentamos controlar o incontrolável ou negligenciamos o que está, de fato, sob nossa responsabilidade: nossos julgamentos, ações e desejos.
Essa lição, apesar de milenar, me parece mais atual do que nunca. Ao contrário de uma resignação passiva, ela me lembra que há um poder inviolável dentro de mim: a liberdade interior de escolher como reagir. Quando abraço isso, experimento algo próximo do que os estoicos chamavam de ataraxia, a paz que não depende das marés externas.
A oração da serenidade e o discernimento estoico
Ao refletir sobre a Oração da Serenidade – “Deus, dai-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar as que posso e sabedoria para distinguir uma da outra” – percebo o quanto ela ecoa, quase palavra por palavra, os ensinamentos de Epíteto.
Essa prece, muitas vezes associada à espiritualidade moderna, poderia ter sido escrita por um estoico. A serenidade para aceitar o que não controlamos corresponde ao “amor fati”, a aceitação amorosa do destino. A coragem para mudar o que está ao nosso alcance é o chamado à ação virtuosa, à “prohairesis“, nossa faculdade de escolha. E a sabedoria para distinguir entre esses dois domínios é o centro da prática filosófica.
Esse discernimento, entre o que devo aceitar e o que posso transformar, não é simples. Requer um exercício diário, um retorno constante à nossa cidadela interior, como Epíteto chamava esse espaço inviolável dentro de nós, como me refiro no artigo “O Refúgio da Alma: um Retorno à Casa Silenciosa do Ser“. Talvez seja por isso que essa oração continua tão poderosa: porque ela revela, de forma simples, o caminho da liberdade.
O desapego como caminho de liberdade
Aprender a soltar o que não controlamos é uma arte. Uma arte difícil, muitas vezes dolorosa. Mas também profundamente libertadora. Esse é o tema do artigo “A Arte de Deixar Ir: O Luto Como Caminho para a Liberdade Emocional”, que explora o luto como processo de desapego não apenas de pessoas, mas de ideias, expectativas e versões de nós mesmos.
Epíteto nos convida a entender que aquilo que mais nos fere, muitas vezes, não é o acontecimento em si, mas a nossa resistência a ele. O luto, nesse sentido, pode ser visto como uma travessia entre o apego ao que era e a aceitação do que é. Quando entendemos que certas dores são inevitáveis, mas o sofrimento pode ser opcional, abrimos espaço para uma forma mais serena de viver.
A renúncia, então, não é fraqueza, é lucidez. É abrir mão da ilusão de controle para cultivar presença, discernimento e alinhamento com a realidade. A liberdade, ao contrário do que aprendemos, não está em controlar tudo. Está em nos libertar da necessidade de fazê-lo.
A psicologia encontra a filosofia: TCC e Estoicismo
Curiosamente, ao estudar a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), percebi como ela dialoga intimamente com os ensinamentos de Epíteto. A ideia central da TCC, de que não são os eventos que nos afetam, mas a forma como os interpretamos, é quase uma citação direta da filosofia estoica.
Essa ponte entre filosofia e psicologia moderna mostra como práticas como reestruturação cognitiva, exposição imaginária e auto-observação têm raízes estoicas. Isso mostra que as lições de Epíteto não pertencem apenas à academia ou à espiritualidade, mas também à ciência aplicada do bem-estar mental.
Hoje, ao enfrentar desafios emocionais, percebo que posso escolher meus pensamentos. Posso examinar minhas crenças. Posso reformular minhas reações. Isso não apenas me dá mais equilíbrio, mas também mais responsabilidade sobre mim mesmo, algo que o estoicismo sempre defendeu como o verdadeiro caminho para a liberdade.
Tempo, simplicidade e protagonismo
Quando nos ocupamos daquilo que está em nosso controle, ganhamos mais do que serenidade. Ganhamos tempo. Ganhamos propósito. Como analiso no artigo “A brevidade do tempo, os anseios da alma e a vida que nos escapa”, a vida de fato nos escapa quando nos distraímos com o que não importa ou não depende de nós. Ao contrário, quando focamos no que podemos transformar, nossos hábitos, escolhas, atitudes, nos tornamos protagonistas da nossa história.
Viver de forma estoica é também viver com simplicidade. Não aquela que abdica do mundo, mas a que o aceita com clareza e sem ilusão. É uma vida mais leve, porque é menos ansiosa. Menos reativa, porque é mais presente. Menos ocupada com o que os outros pensam, e mais comprometida com a verdade que habita em nós.
Essa simplicidade, paradoxalmente, é o que nos aproxima da grandeza: uma vida significativa, que não precisa de muito para ser plena. Como sugere o artigo “O Livre-Arbítrio Existe Mesmo? A Liberdade de Escolha em um Mundo que Nos Escolhe”, quanto mais nos libertamos da necessidade de controlar tudo, mais nos aproximamos de uma liberdade autêntica, a de ser quem somos.
A proposta do Feeling Lab: sentir para compreender
Toda essa reflexão me leva a uma conclusão que dialoga com a essência do Feeling Lab: conhecer nossas emoções é o primeiro passo para viver com mais consciência. A filosofia estoica não nos convida a suprimir sentimentos, mas a compreendê-los. A autorregulação emocional começa com a clareza do que está em nosso controle: nossa mente, nossas ações, nossas escolhas.
No Feeling Lab, buscamos justamente isso: criar um espaço onde as emoções possam ser sentidas, compreendidas e integradas, sem que nos dominem. Porque, como Epíteto nos lembra, nós não somos as nossas emoções, somos a consciência que pode observá-las, questioná-las e transformá-las.
Viver bem, no fim, é aprender a viver com aquilo que a vida nos dá, sem perder de vista aquilo que podemos ser. E isso, para mim, é a verdadeira arte de viver.