A vida, muitas vezes, parece mesmo um grande jogo, cheio de movimentos inesperados, repetições enigmáticas e momentos que, por algum motivo, insistem em se apresentar de novo, como se pedissem para ser compreendidos em um nível mais profundo. Foi nesse contexto que conheci o Maha Lilah, também chamado de Jogo da Vida. Uma ferramenta ancestral de autoconhecimento que, ao mesmo tempo que se ancora em uma simbologia milenar da tradição hindu, conversa com campos mais sutis da consciência e com os caminhos que seguimos, ou deixamos de seguir, em nossa jornada.
Maya: A deusa das ilusões e os véus da consciência
Na tradição védica, Maya é a deusa que representa o poder da ilusão. Ela é a criadora dos véus que nos separam da nossa essência, da verdade e da realidade última. Vivemos, em muitos momentos, dentro dos jogos de Maya, presos a narrativas, padrões, medos, expectativas e repetições que parecem ter vida própria. Maya não é o mal. Ela é o palco. É a encenação do mundo fenomênico que nos convida a ir além, a perceber o que se esconde por trás da forma.
É dentro desse contexto simbólico que o Maha Lilah ganha seu significado mais profundo: um jogo que nos ajuda a ver através de Maya. Um tabuleiro que nos convida a observar como atuamos no grande teatro da vida, e mais ainda, como podemos “jogar” com mais consciência.
Maha Lilah: O jogo sagrado do autoconhecimento
O Maha Lilah é um jogo hindu de origem milenar, criado como uma metáfora espiritual para a jornada da alma. Seu nome pode ser traduzido como o “grande jogo divino”, e seu propósito é nos conduzir por uma viagem simbólica através dos diferentes estados da mente e da consciência, revelando o que está atuando em nosso campo a partir de uma intenção ou pergunta inicial.
O tabuleiro tradicional possui 64 casas, divididas em 8 linhas horizontais, representando os planos da existência, do mais denso ao mais sutil. Cada casa simboliza um estado de consciência, uma virtude, uma sombra ou um arquétipo psicológico que pode estar influenciando a situação trazida para o jogo. Há casas representadas por espadas, que simbolizam virtudes que nos elevam, e outras por serpentes, que nos conduzem a estados mais densos, normalmente ligados a nossas sombras e repetições inconscientes.
O dado – chamado de dado do karma – é lançado para conduzir os movimentos no tabuleiro. Mas, ao contrário de um jogo comum, aqui a sorte é substituída pela sincronicidade. O dado e o tabuleiro funcionam como uma interface para acessar o campo sistêmico, permitindo que ele se expresse por meio da simbologia do jogo.
Uma ferramenta para ler o campo sistêmico
Assim como outros oráculos – como o tarô, os búzios, o I Ching – o Maha Lilah atua como um instrumento de escuta do campo. Não é o jogo em si que traz as respostas, mas a conexão energética com o campo que se estabelece a partir da intenção consciente colocada no início da jornada.
Ao lançar o dado e observar a sequência de casas pelas quais passamos, algo se revela. A consciência se movimenta. O campo responde.
Essas ferramentas não funcionam como previsões. São espelhos simbólicos que trazem à tona estados intencionais presentes, que, dependendo de nossas escolhas e atitudes, podem ou não se manifestar como realidades. Nesse sentido, o jogo nos ajuda a perceber quais padrões estão ativos e como podemos lidar com eles de forma mais consciente.
A releitura junguiana de Nickson Gabriel: arquétipos como guias da jornada
A versão do Maha Lilah que utilizo foi criada por Nickson Gabriel, analista junguiano, e traz uma releitura profunda e sensível do jogo original. Nessa versão, foram incorporados arquétipos de Jung, que funcionam como guias simbólicos ao longo do percurso.
A combinação entre os estados de consciência do tabuleiro tradicional e os arquétipos junguianos cria uma experiência muito rica, onde o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo se encontram. O jogo se transforma, assim, em um campo terapêutico que atua tanto nos aspectos sutis quanto nos conteúdos mais psíquicos e emocionais, oferecendo insights que dificilmente seriam acessados apenas pela via racional.
Essa versão do Maha Lilah é, ao mesmo tempo, ancestral e contemporânea. Integra espiritualidade, psicologia e campo sistêmico em uma experiência profunda e transformadora.
Minha experiência com o Maha Lilah
Minha experiência pessoal com o Maha Lilah aconteceu a partir de dois jogos que foram muitos significativos em momentos da minha vida onde eu buscava entender a origem e a influência de aspectos da minha própria consciência nas minhas decisões.
É importante ressaltar que, para o jogo acontecer, é preciso que o campo esteja receptivo, e isso é verificado por meio de um critério simples: a casa 6 precisa ser alcançada com o dado em até cinco jogadas. Caso contrário, a orientação é elaborar a questão por mais tempo e traze-la novamente em um momento mais oportuno.
Das cinco vezes que joguei, tive duas aberturas de campo que transcorreram em jogadas mágicas, que trouxeram com muita assertividade e coerência reflexões sobre questões ocultas no processo. Essas experiências ampliaram minha consciência sobre os caminhos que eu deveria tomar.
A sequência de casas ao longo do jogo fala muito sobre os aspectos da consciência que estão operando em conjunto no campo da pessoa. As casas com espadas mostraram onde estavam minhas forças de elevação, enquanto as casas com serpentes revelaram bloqueios e armadilhas internas que me faziam retornar a padrões já conhecidos.
Ao final, não era sobre “ganhar o jogo”, mas sobre me perceber no jogo, com mais clareza, mais presença e mais consciência.
A vida como jogo, o jogo como caminho
O Maha Lilah é mais do que um jogo. É um convite à escuta profunda. Um espaço simbólico onde a vida se revela, desde que estejamos dispostos a ver além das aparências.
Não se trata de mágica, tampouco de adivinhação. Trata-se de acessar, com reverência, o campo onde tudo está interligado, e, ali, reconhecer o que ainda está inconsciente em nós. O Maha Lilah nos lembra que somos jogadores e peças, autores e personagens. E que temos, sim, a liberdade de escolher como jogar.
Como outros oráculos, o Maha Lilah é uma ponte entre mundos, entre o que sentimos e o que ainda não sabemos que sentimos, entre o que vemos e o que está escondido atrás dos véus de Maya.
E talvez o maior ensinamento do jogo seja esse: que a vida é mesmo um grande tabuleiro de consciência. E que toda jogada, por menor que pareça, é uma oportunidade de lembrar quem somos.